Certeza
Sereno, o
parque espera
Mostra os
braços cortados,
E sonha a
Primavera
Com seus
olhos gelados.
É um mundo
que há-de vir
Naquela fé
dormente;
Um sonho que
há-de abrir
Em ninhos e
sementes.
Basta que um
novo Sol
Desça do
velho céu,
E diga ao
rouxinol
Que a vida
não morreu.
Miguel Torga
Ai flores, ai flores do verde pino
Ai flores,
ai flores do verde pino,
se sabedes
novas do meu amigo!
Ai Deus, e u
é?
Ai flores,
ai flores do verde ramo,
se sabedes
novas do meu amado!
Ai Deus, e u
é?
Se sabedes
novas do meu amigo,
aquel que
mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u
é?
Se sabedes
novas do meu amado,
aquel que
mentiu do que mh á jurado!
Ai Deus, e u
é?
Vós me
preguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos
digo que é san' e vivo:
Ai Deus, e u
é
Vós me
preguntades polo voss'amado,
e eu ben vos
digo que é viv' e sano:
Ai Deus, e u
é?
E eu bem vos
digo que é san' e vivo
e seerá vosc' ant' o prazo sa'ido:
Ai Deus, e u
é?
E eu ben vos
digo que é viv' e sano
e seerá
vosc' ant' o prazo passado:
Ai Deus, e u
é?
El rei D. Diniz
Os
pássaros nascem na ponta das árvores
Os pássaros nascem na ponta das árvores
As
árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das
árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam
movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a
pertencer ao
reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os
campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das
árvores
mas deixo essa forma de dizer ao
romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão
pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração
Ruy Belo
Antes de nós
Antes de nós
nos mesmos arvoredos
Passou o
vento, quando havia vento,
E as folhas
não falavam
De outro
modo do que hoje.
Passamos e
agitamo-nos debalde.
Não fazemos
mais ruído no que existe
Do que as
folhas das árvores
Ou os passos
do vento.
Tentemos
pois com abandono assíduo
Entregar
nosso esforço à Natureza
E não querer
mais vida
Que a das
árvores verdes.
Inutilmente
parecemos grandes.
Salvo nós
nada pelo mundo fora
Nos saúda a
grandeza
Nem sem
querer nos serve.
Se aqui, à
beira-mar, o meu indício
Na areia o
mar com ondas três o apaga,
Que fará na
alta praia
Ricardo Reis
Árvores
São plátanos
palmeiras castanheiros
jacarandás
amendoeiras e até as
oliveiras
que
quando a
noite cai na infância formam uma
cortina
escura na estrada frente à casa
árvores
apagando os dias que a memória
avidamente
esconde
no corpo do
seu gémeo Penetra inutilmente
na terra
essa raiz do branco plátano
adolescente
e o campo do
tempo onde as palmeiras eram
pilares do
corpo nu símbolo de
si mesmo, à
luz
do dia fixo,
já se estende
na húmida
manhã dos castanheiros
Esquecimento
que tudo enfim possuis
e geras
a ofuscante
luz igual à da
memória, do
tempo como ela
filho,
construtor da ausência,
em vão te
invoco Tu
que mudas a
roxa amendoeira
em brancas
flores do jacarandá
entrega a
minha vida às árvores
que foram na
manhã e no crepúsculo
no meio-dia
e na noite, palavra
clara que
traz o dia em si fechado
Gastão Cruz
Árvore, cujo pomo, belo e brando
Árvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de
leite e sangue pinta,
onde a
pureza, de vergonha tinta,
está
virgíneas faces imitando;
nunca da ira
e do vento, que arrancando
os troncos
vão, o teu injúria sinta;
nem por
malícia de ar te seja extinta
a cor, que
está teu fruito debuxando.
Que pois me
emprestas doce e idóneo abrigo
a meu
contentamento, e favoreces
com teu
suave cheiro minha glória,
se não te celebrar
como mereces,
cantando-te,
sequer farei contigo
doce, nos
casos tristes, a memória.
Luís Vaz de Camões
Horas mortas...
Horas
mortas... curvadas aos pés do Monte
A planície é
um brasido... e, torturadas,
As árvores
sangrentas, revoltadas,
Gritam a
Deus a bênção duma fonte!
E quando,
manhã alta, o sol postonte
A oiro a
giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas,
recortam desgrenhadas
Os trágicos
perfis no horizonte!
Árvores!
Corações, almas que choram,
Almas iguais
à minha, almas que imploram
Em vão
remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não
choreis! Olhai e vede:
- Também
ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a
Deus a minha gota de água! !
Florbela Espanca
As árvores como os livros
As árvores
como os livros têm folhas
e margens
lisas ou recortadas,
e capas (isto
é copas) e capítulos
de flores e
letras de oiro nas lombadas.
E são
histórias de reis, histórias de fadas,
as mais
fantásticas aventuras,
que se podem
ler nas suas páginas,
no pecíolo,
no limbo, nas nervuras.
As florestas
são imensas bibliotecas,
e até há
florestas especializadas,
com faias,
bétulas e um letreiro
a dizer:
«Floresta das zonas temperadas».
É evidente
que não podes plantar
no teu
quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar
a construir uma biblioteca,
basta um
vaso de sardinheiras.
Jorge Sousa Braga
Árvore verde,
Árvore
verde,
Meu
pensamento
Em ti se
perde.
Ver é dormir
Neste
momento.
Que bom não
ser
'Stando
acordado !
Também em
mim enverdecer
Em folhas
dado !
Tremulamente
Sentir no
corpo
Brisa na
alma !
Não ser quem
sente,
Mas tem a
calma.
Eu tinha um
sonho
Que me
encantava.
Se a manhã
vinha,
Como eu a
odiava !
Volvia a
noite,
E o sonho a
mim.
Era o meu
lar,
Minha alma
afim.
Depois
perdi-o.
Lembro ?
Quem dera !
Se eu nunca
soube
Fernando Pessoa
Como um vento na floresta
Como um vento na floresta.
Minha emoção
não tem fim.
Nada sou,
nada me resta.
Não sei quem
sou para mim.
E como entre
os arvoredos
Há grandes
sons de folhagem,
Também agito
segredos
No fundo da
minha imagem.
E o grande
ruído do vento
Que as folhas
cobrem de som
Despe-me do
pensamento :
Sou ninguém,
temo ser bom.
Fernando Pessoa
Eu e
ela
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.
Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más ideias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.
Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das
lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distracção,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiros,
Formando unicamente um coração.
Beatos ou pagãos, vida à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavalheiro de Flaublas...
Cesário Verde
O pinhal do rei
Catedral
verde e sussurrante, aonde
A luz se
ameiga e se esconde
E aonde,
ecoando a cantar,
Se alonga e
se prolonga a longa voz do mar:
Ditoso o
«Lavrador» que a seu contento
Por suas mãos
semeou este jardim;
Ditoso o
Poeta que lançou ao vento
Esta canção
sem fim ...
Ai flores,
ai flores do Pinhal florido,
Que vedes no
mar?
Ai flores,
ai flores do Pinhal florido,
Rei Dom
Dinis, bom poeta e mau marido,
Lá vêm as
velidas bailar e cantar.
Encantado
jardim da minha infância,
Aonde a
minh'alma aprendeu
A música do
Longe e o ritmo da distância,
Que a tua
voz marítima lhe deu;
Místico
órgão cujo além se esfuma
No além do
Oceano, e onde a maresia
Ameiga e dissolve
em bruma,
E em
penumbras de nave, a luz do dia.
Por este
fundos claustros gemem
Os ais do
Velho do Restelo ...
Mas tu
debruças-te no mar e, ao vê-lo,
Teus velhos
troncos de saudosos fremem .
Ai flores,
ai flores do Pinhal louvado,
Que vedes no
mar?
Ai flores,
ai flores do Pinhal louvado,
São as
caravelas, teu corpo cortado,
É lo verde
pino no mar a boiar.
Pinhal de
heróicas árvores tão belas,
Foi do teu
corpo e da tua alma também
Que nasceram
as nossas caravelas
Ansiosas de
todo o Além;
Foste tu que
lhes deste a tua carne em flor
E sobre os
mares andaste navegando,
Rodeando a
terra e olhando os novos astros,
Ó gótico
Pinhal navegador,
Em naus
erguida levando
Tua alma em
flor na ponta alta dos mastros!...
Ai flores,
ai flores do Pinhal florido,
Que vedes no
mar?
Ai flores,
ai flores do Pinhal florido,
Que grande
saudade, que longo gemido
Ondeia nos
rames, suspira no ar!
Na
sussurrante e verde catedral
Oiço rezar a
alma de Portugal:
Ela aí vem,
dorida, e nos seus olhos
Sonâmbulos
de surda ansiedade,
No roxo da
tardinha,
Abre a flor
da Saudade;
Ela aí vem,
sozinha,
Dorida do
naufrágio e dos escolhos,
Viúva de
seus bens
E pálida de
amor,
Arribada de
todos os aléns
De este
mundo de dor;
Ela aí vem,
sozinha,
E reza a
ladainha
Na
sussurante catedral aonde
Toda se
espalha e esconde,
E aonde,
ecoando a cantar,
Se alonga e
se prolonga a longa voz do mar…
Afonso Lopes Vieira
Poema das árvores
As árvores
crescem sós. E a sós florescem.
Começam por
ser nada. Pouco a pouco
se levantam
do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo
deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles
nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por
entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então
crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos
dão sementes,
e as
sementes preparam novas árvores.
E tudo
sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem,
sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de
noite.
Sempre sós.
Os animais
são outra coisa.
Contactam-se,
penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e
ódio, e vão à vida
como se nada
fosse.
As árvores,
não.
Solitárias,
as árvores,
exauram
terra e sol silenciosamente.
Não pensam,
não suspiram, não se queixam.
Estendem os
braços como se implorassem;
com o vento
soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas
a queixa não é sua.
Sós, sempre
sós.
Nas
planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e
a florir sem consciência.
Virtude
vegetal viver a sós
E entretanto
dar flores.
António Gedeão
Velhas árvores
Estas velhas
árvores, mais belas
Do que as
árvores novas, mais amigas:
Tanto mais
belas quanto mais antigas,
Vencedoras
da idade e das procelas...
O homem, a fera, e o insecto, à sombra delas
Vivem,
livres de fomes e fadigas;
E em seus
galhos abrigam-se as cantigas
E os amores
das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos
rindo! envelheçamos
Como as
árvores fortes envelhecem:
Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando
os pássaros nos ramos,
Dando sombra
e consolo aos que padecem!
Olavo Bilac
As árvores e os livros
As árvores
como os livros têm folhas
e margens
lisas ou recortadas,
e capas
(isto é copas) e capítulos
de flores e
letras de oiro nas lombadas.
E são
histórias de reis, histórias de fadas,
as mais
fantásticas aventuras,
que se podem
ler nas suas páginas,
no pecíolo,
no limbo, nas nervuras.
As florestas
são imensas bibliotecas,
e até há
florestas especializadas,
com faias,
bétulas e um letreiro
a dizer:
«Floresta das zonas temperadas».
É evidente
que não podes plantar
no teu
quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar
a construir uma biblioteca,
basta um
vaso de sardinheiras.
Jorge
Sousa Braga
No lugar da árvore
No lugar da árvore. No lugar do ouvido.
No lugar do chão. Unidade crepitante
no silêncio aberto no Trânsito. Tronco, calma
bomba indeflagrável, dádiva da identidade.
António Ramos Rosa
Cada árvore é um ser
para ser em nós
Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-a
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses
Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-a
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses
António Ramos Rosa
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